Pastor Rolf J. Dietz 

 Teólogo / Missiólogo / Autor 

Salvos para sempre?

Salvos para sempre?

Ultimamente tenho sido confrontado diversas vezes com defensores desta teoria teológica "uma vez salvo, salvo para sempre" (UVSSpS).

Os defensores desta teoria apresentam uma série de textos bíblicos, que na verdade não são errados, quando aplicados a crentes verdadeiros. Eles são enganosos, porém, quando utilizados abusivamente em relação a "crentes" mornos ou decaídos, oferecedo a estes falsa esperança. Tenho a impressão que na maioria dos casos é isto que acontece, pois crentes fiéis geralmente não têm dúvidas em relação à sua salvação, como é o caso dos "crentes" decaídos ou em fase de afastamento.

Argumentos dos defensores desta teoria

"Salvação é obra divina e, portanto, irresistível e irrevogável."

A salvação é uma obra divina, sim, mas vamos, a título de exemplo, pensar em uma obra de salvação, como p.ex. a salvação de um náugrafo: um barco passa e joga uma corda. O náufrago agarra a corda e é salvo: quem foi responsável pela salvação? o barco? ou o naufrago "se" salvou? Tanto um como o outro, pois se o naufrago não agarrasse a corda ou rejeitasse a oferta de ajuda, ele não seria salvo. Muitos acham que Deus força as pessoas a se salvarem, mas não: se alguém, depois de ter se convertido verdadeiramente, voltar e rejeitar a salvação, pode "pular fora do barco" quando quiser. Deus não obriga ninguém a ir para o céu.

Em João 15 lemos, "todo o ramo em mim": Jesus fala de verdadeiros crentes. E vai mais longe, ensinando que nem sequer é necessário rejeitar a Cristo para perder a salvação, basta simplesmente o fato de não produzir fruto, para ser cortado e queimado.

"Romanos 8.30-39"

Usam Romanos 8.30-39 para tentar "comprovar" essa doutrina, mas o texto de modo nenhum é uma garantia de salvação para "cristãos" nominais mornos, mas é uma palavra de ânimo a verdadeiros crentes (verso 1: "os que estão em Cristo Jesus"). Paulo de modo nenhum se dirije a crentes decaidos! Ele está consolando e confirmando a salvação de crentes que se converteram verdadeiramente e permanecem fieis!

"Tem a vida eterna"

Usam o texto de Jo 3.15 "Quem crê em mim tem a vida eterna" para afirmar, que quem crê em Cristo tem a vida eterna, ou seja, vida para sempre. Isso baseia na falsa compreensão acerca do que é vida eterna. Vida eterna no Novo Testamento (N.T.) significa estar ligado à fonte da vida, ter comunhão com Deus. Quem, depois de ter sido ligado a esta fonte, volta a se desligar dela, tambem perde a vida eterna. O contato com Deus tem que ser mantido, conservado. Isso não acontece automaticamente, como demonstraremos extensamente abaixo.

De onde surgiu esta doutrina UVSSpS?

A origem desta doutrina está nas religiões protestantes e reformadas. Enfatizo a palavra "religiões", pois seu modo de ser se funda em cerimônias e rituais.

A maioria dos membros de tais religiões nunca se converteram verdadeiramente a Cristo, mas gostariam de, quando morrerem, não irem para o inferno. Daí surgirem falsas promessas "garantindo" a salvação: uns garantem que todos que forem batizados como infantes serão salvos (catecismo menor de Martinho Lutero, artigo  segundo), outros oferecem esta garantia a troco de uma "experiência de conversão" (que é o fundamento desta teoria UVSSpS), para que tais pessoas possam viver mundamamente (o que é um outro modo de dizer que na pratica são ateus) e ficar confiando em mestres que lhes prometem "não irem para o inferno". Tais mestres são mentirosos e enganadores, mas pregam o que as pessoas querem ouvir (2Tm 4.3).

A mensagem transmitida por tais pregadores no momento da evangelização é totalmente antibiblica: enquanto a mensagem de Jesus Cristo é "abandone tudo o que tens para adquirir a pérola preciosa" (Mt 13.46), a mensagem dos acreditadores da UVSSpS é "levante a mão e não irás para o inferno".

Deixemos a Bíblia falar

"Como escaparemos nós [da perdição] ... se negligenciarmos a salvação?!" (falando a salvos!):

Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação? (Hebreus 2.3a)

Nós devemos atentar diligentemente ... para não desviar (falando a salvos!)

PORTANTO, convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que em tempo algum nos desviemos delas. (Hebreus 2.1)

Deus nos reconciliou (Cl 2.21), mas somente se não nos movermos do evangelho:

Se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé, e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro. (Colossenses 1.23)

Estar em Cristo, ser ligado verdadeiramente a Ele, não garante a salvação, mas o frutificar:

Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. (João 15.2)

Depois de que o crente (que havia estado verdadeiramente ligado a Cristo) é cortado fora, o destino é o "fogo":

Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem. (João 15.6)

Os Israelitas foram salvos do Egito, mas não entraram na terra prometida

Eles duvidaram no meio do caminho. O autor de Hebreus aconselha a crentes "não endureçais os corações" pois pode acontecer com vocês o mesmo que com os israelitas, que tinham andado com Deus 40 anos, mas não foram salvos:

Não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto. Onde vossos pais me tentaram, me provaram, E viram por quarenta anos as minhas obras. (Hebreus 3.8-9)

Nossa garantia de salvação

O desejo de ter a certeza da salvação é compreensivel, mas a certeza da salvação somente pode se basear em fatos concretos: o penhor do Espírito Santo (E.S.) que Deus deu aos que lhe obedecem: quem tem o E.S. sabe que é salvo e o E.S. permanece naqueles que são obedientes:

E nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito Santo, que Deus deu àqueles que lhe obedecem. (Atos 5.32)

... e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. 14 O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória. (Efésios 1.13b-14)

Falando a crentes, o autor de Hebreus avisa "não rejeiteis a Jesus" (que é dos céus) para não se desviar:

Vede que não rejeiteis ao que fala; porque, se não escaparam aqueles que rejeitaram o que na terra os advertia, muito menos nós, se nos desviarmos daquele que é dos céus; (Hebreus 12.25)

O autor aconselha os crentes a endireitarem seus caminhos para "não se desviar interiamente" (então, desviar inteiramente é possível!):

E fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja não se desvie inteiramente, antes seja sarado. (Hebreus 12.13)

Somos a casa de Cristo, mas somente se ficarmos firmes até o fim:

Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim. (Hebreus 3.6)

Há alguns que crêem somente por algum tempo, depois se desviam:

E os que estão sobre pedra, estes são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria, mas, como não têm raiz, apenas crêem por algum tempo, e no tempo da tentação se desviam; (Lucas 8.13)

Há crentes que se desviam, como estes crentes mencionados por Paulo:

Do que, desviando-se alguns, se entregaram a vãs contendas; (1 Timóteo 1.6)

Porque já algumas se desviaram, indo após Satanás. (1 Timóteo 5.15)

O amor ao dinheiro pode fazer alguém se desviar da fé:

Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. (1 Timóteo 6.10)

Até mesmo líderes, devido a soberba, podem decair e ser condenados:

Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo. (1 Timóteo 3.6)

Outros naufragaram na fé por não preservarem a boa consciência:

Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé. (1 Timóteo 1.19)

Exemplos concretos de náufrago na fé são Himeneu e Alexandre:

Este mandamento te dou, meu filho Timóteo, que, segundo as profecias que houve acerca de ti, milites por elas boa milícia; Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé. E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar. (1 Timóteo 1.18-20)

Cuidar da doutrina é cuidar para que os crentes sejam de fato salvos (no final da vida):

Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem. (1 Timóteo 4.16)

É melhor nem se converter, do que se converter e depois se desviar:

Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama. (2 Pedro 2.20-22)

Cuidado para não perder a salvação! Quem não persevera na doutrina de Cristo não tem a Deus:

Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão. Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. (2 João 1.8-9)

A vida eterna não é um ato isolado mas uma vida de perseverança:

A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção; (Romanos 2.7)

Quem não permanece com a presença de Cristo em si, pode ser reprovado:

Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. (2 Coríntios 13.5)

Os israeltas foram salvos (do Egito) foram batizados duas vezes (nuvem e mar), comeram o Maná (simbolicamente a Biblia), beberam da água (Cristo) e mesmo assim muitos foram condenados por Deus a morrerem no deserto:

ORA, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar. E todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram de uma mesma comida espiritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto. (1 Coríntios 10.1-5)

Compare Fm 24 e 2Tm 4.9s: Demas era um cooperador e se desviou:

Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores. (Filemon 1.24)
Procura vir ter comigo depressa, Porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica, Crescente para Galácia, Tito para Dalmácia. (2 Timóteo 4.9-10)


Cair da graça é possível, foi o caso dos Gálatas:

Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. (Gálatas 5.4)

É possível, depois de pregar por longos anos a outros (como Paulo, que escreveu isso), ser reprovado, se não houver a santificação do corpo:

Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado. (1 Coríntios 9.27)

A salvação somente é alcançada no final da corrida:

Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. (Filipenses 3.13-14)

O evangelho tem que permanecer em nós e somente assim permanecemos em Deus:

Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho e no Pai. (1 João 2.24)

Somos exortados a permanecer em Cristo, para que quando ele vier não tenhamos problemas:

E agora, filhinhos, permanecei nele; para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança, e não sejamos confundidos por ele na sua vinda. (1 João 2.28)

Há muitos crentes que pensam que são salvos, chamam Jesus de Senhor, chegam até a fazer milagres, mas serão condenados por não se santificarem:

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade. (Mateus 7.21-23)

Viver pecando?

Os que apoiam esta doutrina se baseiam em argumentos lógicos, porém antibiblicos. Eles afirmam que todos que se convertem a Cristo continuariam pecando, e por isso o pecado não poderia afastar uma pessoa de Deus. Isso não é verdade: quem se converte está sujeito a erros involuntarios, porém se ele comete pecados conscientemente, perde a salvação:

Qualquer que permanece nele não peca; qualquer que peca não o viu nem o conheceu. (1 João 3.6)

Existe sim, a possibilidade de um salvo abandonar a Cristo (falando a crentes!):

Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará; (2 Timóteo 2.12)

Existem pessoas que se converteram de verdade com todos os requisitos (iluminados, provaram o dom celestial, se tornaram participantes do Espírito Santo, provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro), e mesmo assim recairam ao mundo:

Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério. (Hebreus 6.4-6)

Existem pessoas que receberam o conhecimento da verdade e pecam voluntariamente a eles espera o juízo e o fogo:

Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários. (Hebreus 10.26-27)

Pedro afirma claramente, que existem pessoas que conheceram verdadeiramente a Jesus Cristo, se afastaram do pecado, mas depois voltaram atrás:

Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama. (2 Pedro 2.20-22)

Consequências devastadoras desta doutrina

Esta doutrina UVSSpS é visivelmente errada (diante dos imensidão dos argumentos bíblicos aqui apresentados). Com certeza, o ensinamento bíblico sobre apostasia da fé e a consequente perda da salvação não é nem um pouco confortável, pois exige comprometimento duradouro com Cristo.

Fé verdadeira é um relacionamento pessoal com Deus que se estende pela vida toda, e não um ato religioso, cerimonial ou ritualistico.

Esta doutrina UVSSpS é mais diabólica, pois está dentro das igrejas, desviando as pessoas da salvação. Os perdidos gostam desta doutrina pois permite continuarem a fazer o que amam (seguir seus proprios caminhos). Porém ela se torna especialmente maligna quando crentes sinceros começam a acreditar nela, o que gera consequências devastadoras para o Reino de Deus.

Acreditar que basta uma pessoa "aceitar a Jesus" para que garantidamente não vá para o inferno faz, com que os métodos de trabalho das igrejas sejam totalmente alterados: os falsos evangelistas somente estão preocupados em "levar as pessoas para Jesus" e deste modo podem "somar" seu sucesso ("eu ja levei X numero de pessoas para Jesus"). A necessidade urgente do discipulado e santificação até à morte não parecem mais necessárias. Acham que o importante é "varrer a casa" (Lc 11.24ss) sem perceber a necessidade de "ocupar a casa". Em outras palavras, eles acham que basta "entrar pela porta", mas não vêem necessidade de "andar pelo caminho estreito" (Mt 7.13s). Acham que é suficiente "nascer" (Jo 3.3), mas não vêem necessidade de "crescer" (2Pe 3.18), o que tem por consequência que o "bebê" morre. Muitas destas conversões rápidas são emocionais, sem consequência prática: no dia seguinte tudo não passará de uma lembrança (mas que para eles serve como uma falsa "garantia" da salvação).

Como vemos, é necessário rejeitar uma tal doutrina como sendo algo venenoso e diabólico. As pessoas precisam ser desafiadas a entregarem suas vidas totalmente a Jesus, com todas as consequências: rejeição do mundanismo, seguir o discipulado e a santificação e trabalhar para Deus.

Rolf J. Dietz, agosto de 2018